Só depois de colocar minha Harley na estrada, a caminho de um dos mais icônicos eventos de moto no Brasil que entendi o sucesso da música On The Road Again do velho cowboy Willie Nelson.
Sempre quis saber porque um cara com voz anasalada, com tranças brancas e um violão velho faz um sucesso tão longevo com uma música que fala de sua saudade de cair na estrada com seus amigos, até que um belo dia enchi o tanque da minha Harley e caí na estrada com dois irmãos de Moto Clube com o destino a um dos mais icônicos eventos motociclíticos do Brasil, o Tiradentes Bike Fest, que naquele ano fazia jubileu de prata.
On the road again, I just can't wait to get on the road again. The life I love is makin' music with my friends. And I can't wait to get on the road again. On the road again, Goin' places that I've never been. Seein' things that I may never see again. And I can't wait to get on the road again. (Willie Nelson)
Era um sábado gelado, 5h da manhã do último final de semana do mês de junho de 2017 e minha Dyna Super Glide estava carregada com uma barraca novinha, comprada especialmente para a viagem, um saco de dormir emprestado da esposa (que era maior que a barraca), um isolante térmico, ferramentas e uns alforges com uma troca de roupa e cartões de memória para as câmeras, além de um misto de ansiedade e vontade respeitosa de cair na estrada.
A estrada estava logo ali
05h43: Já tínhamos enchido o tanquinho com um bom café da manhã no Frango Assado, aproveitando o voucher que ganhamos no posto e a Rodovia Presidente Dutra estava ali à frente. Naquele momento eu lembrei da frase de Bilbo Bolseiro das histórias de Tolkien* e pensei que não tinha mais volta, já tinha saído de casa.
Aqui vale um parêntese: Como você já deve ter percebido, não tenho muitos anos de estrada na bagagem, nem tantos quilômetros em cima de uma moto, mas a vivência de uma aventura, pequena ou grande, já nos permite sentir a emoção e a magia da jornada. Fecha o parêntese.
Tudo certo, tanque cheio, bagagem bem amarrada e lá fomos nós, com o nascer do sol à nossa frente e a estrada ainda com seus vapores e neblina da madrugada. Aquela cena foi impagável e, ainda que eu não tivesse muitos quilômetros de experiência como biker, eu já tinha suficiente experiência como fotojornalista e saí do posto com uma boa câmera no pescoço, o que me permitiu ir fotografando o caminho, à medida que a cena que eu via fazia minha frequência cardíaca disparar.
06h40: A aurora já coloria o céu de inverno à nossa frente e estávamos diante da Basílica de Nossa Senhora Aparecida com ritmo de cruzeiro excelente. As 3 motos rodando em uníssono, carregando aquela trovoada típica de um bonde de Harleys. Uma Softail Nighttrain com o Twin-Cam 88 e um escape Screaming Eagle, pilotada pelo André Lima (o Carcamano mais antigo do Vale do Paraíba) seguida pela Fat Boy Twin-Cam 96 e seu Shake Bones barulhento do Fernando «Japonês» Kublai e, de «ferrolho» do bonde, há época o mais novo Carcamano, estava eu com minha Dyna Super Glide, com Twin-Cam 96 e escape Iron Bones.
Seguimos na Rodovia Presidente Dutra até a cidade de Cruzeiro (SP), onde pegamos o desvio em direção ao Sul de Minas e aí o coração já estava descompassado. Tinha acabado de passar diante de Cachoeira Paulista (minha terra natal) e pude contemplar o trevo perfeito onde brinquei durante toda minha infância, vendo Harleys passando. Só que dessa vez eu estava na Harley, mas era muito cedo e muito frio para ter crianças brincando de tobogã na grama do viaduto e, agora, eu já encarava o maciço da Serra da Mantiqueira crescendo diante de mim, o que me remeteu a inúmeras vezes que meu falecido pai me levou para passear de Passat TS naquelas estradas que se entrecruzam na tríplice divisa entre São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
Primeira Parada: Cruzeiro (SP)
Uma parada especial na imensa imagem de Nossa Senhora Aparecida na subida da Serra da Mantiqueira, em Cruzeiro (SP), bem na divisa de São Paulo com Minas Gerais. Ainda era muito cedo, mas nunca cedo demais para pedir a proteção de Deus para nossa trip e colar o emblema do Moto Clube na grande Cruz que existe no local.
Segunda parada: Passa Quatro (opcional)
Depois passamos propriamente para o Estado de Minas Gerais, e a cidade de Passa Quatro literalmente se escondia em meio à neblina bem à nossa esquerda. Aí foi a segunda parada (nem precisava) para um cafezinho e uma passadinha no banheiro. Nesse ponto eu descobri que Dyna vibra pra caramba e a placa da moto já estava quase caindo (ainda bem que tinha levado ferramentas).
Terceira parada: Pouso Alto (Abastecimento)
07h36: Com 5º Celsius de temperatura, tocamos em frente, passando por Itanhandu já em direção a Pouso Alto, para completar os tanques das Twin-Cam. Aliás, há um comércio ao lado do Posto BR que é meio que parada obrigatória para os motoqueiros que saem de São Paulo em direção à Tiradentes, indo pelo caminho da Serra da Mantiqueira e o pão com linguiça é bem convidativo. Tanques, da moto e nossos cheios, caímos na estrada novamente até parar numa fonte de água potável nos arredores de Caxambu.
Logo ao lado de Baependi, famosa por seu turismo religioso católico, pegamos a BR383 com direção a Cruzília e já avançamos, novamente bem sincronizados, passando por Minduri, que faz parte do circuito Montanhas Mágicas da Mantiqueira, com estradas visualmente inesquecíveis e curvas de alta velocidade, que garantiram fotos realmente mágicas, garantindo a alcunha dessa região de Minas.
Quarta parada: São Vicente de Minas (Abastecimento das Sportsters)
A próxima parada foi em São Vicente de Minas, pra fazer um pipi e encher o nosso tanquinho outra vez, e daí descobrimos que nossa pança é tanque de Sportster, porque se você tiver uma, é justamente aí que terá que reabastecer para chegar em Tiradentes. Ali tem um comércio pequeno, bem em frente à linha do trem, um pouco antes de uma passagem de nível obrigatória, que serve um pão de queijo realmente gostoso e aqui começa o trecho final da viagem.
Quinta parada: Madre de Deus de Minas (opcional)
Mas, para honrar a herança dos Carcamanos, ainda paramos em Madre de Deus de Minas, num barzinho bem bacana à beira da estrada para já iniciar os trabalhos e para mais uma verificada na bagagem e nos parafusos das motos. Já era quase hora do almoço.
Depois dessa parada já tocamos direto para o destino final, passando em frente a São João Del Rey e já chegando em Tiradentes. Como eu estava sendo guiado por um decano do evento, é óbvio que o André me fez passar com a Dyna pela praça central da cidade, com aquele calçamento de pedras que desafia qualquer suspensão, antes de tocar para o camping. Não sem antes cair bem no meio da praça, a pé, mas isso é história pra outra matéria.
Aliás, revelo que, apesar do frio que faz à noite naquela linda cidade, a experiência do camping dá uma emoção extra à viagem. Tanto que, nos dois anos seguintes, acabei me hospedando em casas de temporada, com mais amigos, mas prometi que a próxima ida, vai ser de volta à boa e (nem tão) velha barraca.
Pra quem quiser ver o vídeo que postei em meu canal pessoal no YouTube logo depois que voltamos de lá, ainda em 2017, quando o Portal Gasolina ainda era um lampejo de um sonho distante.
* «"É perigoso sair porta afora, Frodo", ele costumava dizer. "Você pisa na Estrada, e, se não controlar seus pés, não há como saber até onde você pode ser levado..."» (Tolkien, J. R. R., O Senhor dos Anéis - A Sociedade do Anel, cap. III).
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